Motivo pelo qual estamos perto de alta recorde nas temperaturas

Na luta contra as mudanças climáticas, um número é crucial: 1,5 grau Celsius. Se a temperatura da Terra subir mais do que isso, as consequências para o planeta serão irreversíveis. E os cientistas alertam: está aumentando a probabilidade de que a Terra esquente mais do que esse 1,5 grau até 2027.

Vamos explicar as causas humanas e não humanas por trás disso, e os perigos de essa combinação trazer danos permanentes para a vida no nosso planeta.

Por enquanto, essa é uma previsão, mas alguns dados deixam clara a urgência do problema: Em 2020, a Organização Meteorológica Mundial calculava que havia 20% de chance de que, nos cinco anos seguintes, a Terra esquentasse mais do que 1,5 grau. Mas novas medições apontam que já aumentou para 66% a chance de que esse nível de aumento seja registrado pelo menos uma vez até 2027.

O aquecimento global fez subir os termômetros de tal forma que em 2016, o ano mais quente de que se tem registro até agora, teve temperaturas 1,28 grau Celsius mais altas do que na era pré-industrial. Os pesquisadores agora afirmam, com 98% de certeza, que esse recorde vai ser superado novamente nos próximos 4 anos. Segundo o professor Adam Scaife, do Serviço Meteorológico do Reino Unido, esta é a primeira vez na história da humanidade que estamos tão perto desse limiar.

Isso é preocupante porque manter o aumento da temperatura abaixo de 1,5 grau Celsius é a meta principal fixada pelo histórico Acordo Climático de Paris, em 2015. Para cumprir esse acordo, é imprescindível cortar drasticamente as emissões de gás carbônico – o principal gás de aquecimento global, liberado pela queima de combustíveis fósseis. E esse é um objetivo ainda distante de ser alcançado.

Mas por que cresceu a probabilidade de que a temperatura global suba antes do previsto anteriormente? Em parte, porque as emissões de poluentes continuaram a crescer, apesar de os países terem fixado metas de redução. O Painel Intergovernamental Sobre Mudanças Climáticas diz que estamos ainda muito distantes de zerar as emissões de gases do aquecimento global e conseguir cumprir o acordo de Paris. Mas outro fator importante é o El Niño, um fenômeno climático natural – ou seja, não causado por humanos – que provavelmente vai vir com força no final de 2023 e começo de 2024.

E o El Niño muda drasticamente padrões climáticos pelo mundo, aumentando as chances de ondas de calor excessivo, secas e grandes enchentes em épocas do ano e em locais inesperados. A última vez que o El Niño se formou foi justamente em 2016, contribuindo para a elevação recorde das temperaturas globais, perda de florestas tropicais, branqueamento de corais, degelo polar e incêndios de grandes proporções.

E o que explica o El Niño? É basicamente uma mudança de força e direção dos ventos alísios – os que sopram de leste a oeste no oceano Pacífico. Isso faz com que a água mais quente da parte oeste do Pacífico vá em direção ao leste e se espalhe por uma área maior do oceano. Esse movimento de águas quentes eleva as temperaturas oceânicas, torna mais úmido o ar que está em cima da água e altera a circulação do ar na atmosfera. As consequências prováveis são tempestades mais fortes e inundações, por exemplo, na costa oeste sul-americana, além de mudanças no clima em outras partes das Américas.

O El Niño também faz com que regiões úmidas, como o norte da Austrália, sejam devastadas por secas e incêndios. Ángel Adames Corraliza, professor de Ciências Atmosféricas da Universidade de Wisconsin, nos Estados Unidos, disse à BBC que já há indícios da chegada do El Niño. Um deles é o aumento das temperaturas oceânicas no Pacífico, desde a costa do Peru até a da Nova Guiné. Tratando-se de uma área tão extensa, é possível que o fenômeno seja bem forte. Os ventos alísios também mudaram de direção rumo a leste – mais um indicador de que o El Niño parece estar a caminho.

Em geral, na América Latina, o El Niño costuma resultar em mais calor e seca. Mas o aumento das temperaturas oceânicas pode trazer também uma temporada de furacões potentes em locais como México e Havaí. Fora os efeitos locais, temos os impactos globais. O aquecimento atmosférico causado pelo El Niño se soma ao causado pelo ser humano. É essa combinação que, segundo as previsões científicas, deve fazer as temperaturas subirem além do limite crucial de 1,5 grau Celsius nos próximos anos.

Mas os cientistas ressaltam que esse efeito, embora muito preocupante, talvez seja temporário e ainda dá tempo de ser revertido. O alerta, então, é para reduzir as emissões de gases estufa o quanto antes. Isso porque, se esse tipo de aumento das temperaturas se mantiver por uma ou duas décadas seguidas, pode levar o planeta a um ponto de não retorno – quando as mudanças climáticas realmente se tornariam irreversíveis.

Deflação: como queda nos preços pode impactar seu bolso e economia do Brasil

Caiu o preço da gasolina, dos carros novos, da carne e do leite, e isso provocou a primeira deflação de 2023. Segundo o IBGE, o IPCA, índice oficial de inflação do Brasil, recuou 0,08% em junho. Mas o que isso significa para a economia em geral e para o seu bolso?

Neste texto vamos falar sobre a deflação – e explicar por que esse recuo nos preços deve durar pouco.

De modo simplificado, enquanto a inflação é o aumento de preços de produtos e serviços, a deflação é o contrário: quando os preços caem entre duas medições. Em outras palavras, é quando o índice de inflação fica negativo, como foi o caso no último mês. A deflação representa um alívio para o orçamento das famílias, principalmente as mais pobres, já que a inflação corrói o poder de compra. A deflação também será comemorada por quem toma empréstimos, como empresas e famílias. O motivo é que essa circunstância torna mais provável que o Banco Central comece a reduzir a taxa básica de juros, a Selic.

Eu vou explicar melhor: a taxa básica de juros é o principal instrumento usado pelo Banco Central no controle da inflação, ao desestimular o consumo e o crédito. Quando os juros caem, isso barateia o crédito para o consumo das famílias e o investimento das empresas, contribuindo para um maior dinamismo da atividade econômica – é por isso que o nível de juros se tornou uma espécie de cavalo de batalha entre o BC e o governo Lula nos últimos meses.

Por fim, a perda de força da inflação é um fator positivo para o governo, que se beneficia de uma percepção melhor da população em relação à economia. Não à toa, a queda de preços aos consumidores tem sido comemorada pelo presidente Lula nas redes sociais. Com a deflação de junho, a inflação acumulada dos últimos doze meses no Brasil caiu. Estava em 3,94% na medição de maio e agora está em 3,16%, por enquanto dentro da meta estabelecida pelo governo.

O preço da carne, mencionado por Lula no Twitter, era um dos vilões da inflação nos últimos anos, mas tem recuado em 2023. O motivo é que uma safra recorde reduziu os custos dos insumos usados na ração dos animais, barateando a produção. Além disso, o preço da carne caiu no mercado internacional, e não só no Brasil, graças a um aumento da oferta. Outros alimentos com preço mais baixo são as frutas e o leite. Juntos, esses itens contribuíram para que o grupo “alimentos e bebidas” registrasse o maior recuo do IPCA em junho.

Os carros novos e a gasolina também puxaram a inflação para baixo. No caso dos automóveis, um programa temporário do governo federal deu descontos de 2 mil a 8 mil reais a quem comprasse carros populares. O Ministério do Desenvolvimento diz que 125 mil veículos foram vendidos no programa, entre 6 de junho e 7 de julho. No caso da gasolina, a Petrobras abandonou o chamado PPI, sigla para preço de paridade de importação. Esse modelo, que vigorava no Brasil desde 2016, atrelava o preço dos combustíveis no mercado interno à variação do petróleo no exterior e do câmbio. Depois da mudança, a estatal já anunciou vários cortes nos preços dos combustíveis. O que se reflete na deflação mostrada pelo IPCA em junho.

Mas tanto o governo quanto consumidores e empresas precisam se preparar para o fato de que o recuo da inflação em junho deve ser algo temporário. A expectativa dos economistas é de que o IPCA volte a registrar variações positivas de agosto até o fim do ano, com a inflação fechando 2023 um pouco abaixo dos 5%. Os motivos para isso são vários: a re-oneração de impostos sobre combustíveis, o fim do programa de descontos para automóveis e a perda de força da deflação de alimentos.

Desenrolar Brasil, vale a pena?

Brasileiros endividados têm a chance de renegociar suas dívidas no programa “Desenrola Brasil”, que o governo federal acaba de lançar. Mas como funciona esse programa? Quais são as dicas e os alertas, segundo especialistas?

Neste texto vamos explicar, em quatro pontos, o “Desenrola Brasil” e como ele pode afetar a vida de milhões de consumidores. Antes, algumas informações importantes. As dívidas que podem ser renegociadas são as contraídas entre 2019 até 31 de dezembro de 2022.

No total, o governo diz querer que 70 milhões de brasileiros fiquem com o nome limpo e tenham a chance de renegociar os valores que estão devendo. O programa estava previsto para começar em setembro, mas foi antecipado para estimular o consumo e tentar aquecer a economia neste segundo semestre. Vale lembrar que o Brasil vive hoje um nível recorde de endividamento: de cada 100 famílias, 78 estão com alguma dívida.

Bom, o que está sendo lançado agora é a primeira fase do “Desenrola”. E ela tem dois públicos principais neste momento. O primeiro são aqueles que ganham até 20 mil reais por mês e tenham dívidas de qualquer valor. Essas pessoas poderão entrar em contato direto com os seus bancos e tentar renegociar ou parcelar suas dívidas, em até 12 meses. As condições de negociação, como número de parcelas e taxas de juros, vão depender de cada banco.

Para incentivar as instituições financeiras a participarem do programa, o governo disse que vai dar estímulos regulatórios e, nas palavras do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, “assumir a responsabilidade de negociar com os bancos”. O segundo público dessa primeira etapa é composto de um milhão e meio de brasileiros que hoje têm dívidas pequenas, de até cem reais. Essas pessoas vão, automaticamente, ficar com o nome limpo, ou seja, poderão voltar a pegar crédito ou fazer um contrato de aluguel, por exemplo, sem que a dívida atrapalhe isso. Mas atenção: elas ainda vão ter que pagar a dívida, que não vai ser perdoada. Caberá a cada consumidor entrar em contato com seu devedor para resolver o pagamento.

Em setembro, começará a segunda etapa do “Desenrola”, atendendo um público mais amplo. É quando serão renegociadas as dívidas da chamada faixa 1, que são os brasileiros que ganham até dois salários mínimos ou que estão no cadastro único de programas sociais do governo e têm dívidas de até cinco mil reais. Vai ser também a oportunidade de pessoas renegociarem dívidas de contas de energia, internet ou celular, por exemplo. Essa segunda fase vai ser feita por meio de um aplicativo, é nele que o consumidor vai checar as propostas dos credores.

Nessa etapa, será maior o incentivo para as instituições financeiras renegociarem com os devedores. Isso porque essas negociações estarão garantidas pelo Fundo Garantidor de Operações, o FGO – que, na prática, vai assegurar ao banco que ele receberá parte do dinheiro, mesmo que a dívida renegociada não seja completamente paga pelo consumidor. E para o consumidor endividado, vale a pena aderir ao programa? O meu colega Felipe Souza conversou com a economista Izis Ferreira, da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo. Ela acha que é na segunda fase, a partir de setembro, que, sob a garantia do FGO, os bancos terão a capacidade de oferecer condições melhores de renegociação.

Dito isso, ela aponta que renegociar as dívidas é, de fato, a melhor opção para voltar a ter as contas em dia e ficar com o nome limpo. Mas quem aceitar participar dessa negociação tem que ter em mente que vai ser crucial pagar as parcelas renegociadas pelo “Desenrola”, sob o risco de ter muita dificuldade em voltar a ter crédito caso as dívidas não sejam quitadas. Mesmo que a sua instituição financeira ainda não tenha aderido ao “Desenrola”, ou que a sua dívida só se enquadre na segunda etapa do programa, vale a pena já ligar para o banco e perguntar que tipo de condições ele oferece para a renegociação, segundo a economista.

Outra opção é fazer a transferência da dívida para outra instituição que esteja participando do “Desenrola”. De qualquer modo, considerando que os juros vão fazer a dívida continuar crescendo, a Izis Ferreira acha que quanto antes o consumidor conseguir renegociar suas dívidas, melhor. Nas palavras da economista: “O sobrenome é o único ativo do brasileiro. Ficar com ele sujo traz transtornos inclusive psicológicos. Ele não consegue nem alugar um imóvel caso precise mudar. A opção é alugar no nome de um terceiro. (…) Isso cria uma dependência e insegurança enormes, que impactam na vida pessoal e até no trabalho”.

Tem outro ponto importante levantado pelos economistas: mesmo com a possibilidade de renegociar, é preciso tomar cuidado para o consumidor não entrar em novas dívidas, mais do que seja capaz de cumprir. O que isso quer dizer? Primeiro, que, na prática, vale a pena para o consumidor aproveitar o “Desenrola” para tentar barganhar com o banco por prestações que caibam no orçamento e sejam factíveis de serem pagas. Segundo, que, ao ficar com o nome limpo e com a possibilidade de obter mais crédito, o consumidor tem que tomar muito cuidado para não acabar assumindo novas dívidas que não conseguirá pagar no futuro.

É por isso que a Izis Ferreira diz que o governo precisaria fazer, também, uma campanha nacional mais ampla de educação financeira em paralelo ao “Desenrola”, para estabelecer um consumo, nas palavras dela, sustentável e racional dentro de cada orçamento familiar. Com isso eu fico por aqui, mas conta

Os perigos dos alimentos ultraprocessados, demonstrado por experiências em gêmeas


Desde a hora que você saiu da cama até o momento de dormir, é bem possível que seu corpo tenha consumido diversos tipos de alimentos ultraprocessados. Eles estão presentes em quase todas as dietas, do pão integral a alguns leites de fórmula infantil, comidas para micro-ondas ou sorvetes.

Pesquisadores e especialistas dizem que nos últimos anos vêm aparecendo evidências de que este tipo de alimento é prejudicial para a saúde. No Brasil, um estudo apontou que os ultraprocessados foram responsáveis pela morte de 57 mil pessoas em 1 ano. A Associação Brasileira da Indústria de Alimentos, por sua vez, declarou que é “altamente temeroso associar mortes ao consumo de alimentos” e contesta métodos da pesquisa.

Mas o programa Panorama da BBC fez um experimento com duas irmãs gêmeas para demonstrar os efeitos dos ultraprocessados.

Vamos explicar o que são alimentos ultraprocessados. São chamados assim porque são produzidos com níveis muitas vezes muito altos de processamento industrial. A lista é longa, mas ela inclui o pão integral, os cereais açucarados de caixa, sopas instantâneas, iogurtes de sabores, presunto, salsicha, sorvete, batata frita de saquinho, biscoitos, refrigerantes ou algumas bebidas alcoólicas como gim ou rum. Mas existem muitos outros.

Eles estão tão presentes na nossa dieta que, no Reino Unido, pesquisas indicam que metade dos alimentos que uma pessoa consome diariamente são ultraprocessados.

Este é Tim Spector, professor de epidemiologia do King’s College, de Londres. Spector diz que as pesquisas apontam para doenças como o câncer, problemas do coração, derrames cerebrais e demência. Esse cientista foi encarregado de supervisionar o experimento com as gêmeas Aimeé e Nancy, de 24 anos, e que durou duas semanas. A dieta das duas tinha exatamente a mesma quantidade de calorias, nutrientes, gorduras, açúcar e fibras. Mas ao fim das duas semanas, os resultados foram surpreendentes.

E onde está a diferença? Os cientistas apontam que substâncias usadas na fabricação de ultraprocessados como os conservantes, os edulcorantes artificiais e os emulsificantes não são usados na cozinha de casa. Os ingredientes de alimentos ultraprocessados têm potencial de causar mais danos ao organismo. Um dos mais usados nos alimentos ultraprocessados é o emulsificante, que melhora o aspecto e a textura dos alimentos e contribui para prolongar a vida útil dos produtos. Mas a indústria alimentícia usa cerca de 60 tipos diferentes de emulsificantes: eles estão na maionese, no chocolate, na manteiga de amendoim e nas carnes.

Segundo explica a professora Marion Nestle (pronuncia-se NÉSSOL), especialista em política alimentícia e professora de nutrição da Universidade de Nova York, “os alimentos ultraprocessados são o que dão mais lucro às empresas”.

No entanto, há cada vez mais estudos que apontam que o consumo de emulsificantes está relacionado a várias doenças. Mathilde Touvier, da Universidade de Sorbonne, em Paris, lidera uma das pesquisas mais amplas sobre o uso de aditivos na alimentação, especificamente o impacto de emulsificantes na saúde. Esse estudo acompanha os hábitos de 174 mil pessoas. O estudo ainda precisa ser revisado pela comunidade científica, um passo crucial para validá-lo.

Outro ingrediente dos ultraprocessados que acendeu o alerta sobre os perigos é o adoçante de aspartame. Ele é 200 vezes mais doce que o açúcar e há alguns anos começou a ser vendido como uma alternativa mais saudável às bebidas açucaradas por ter baixo teor calórico. De fato, em 2013, a Autoridade Europeia de Segurança dos Alimentos decidiu que o aspartame era seguro. Mas seis anos depois, Erik Millstone, professor da Universidade de Sussex, decidiu revisar os dados examinados pela autoridade e checou quem havia financiado os diferentes estudos. Foi constatado que 90% dos estudos que defendiam o uso de adoçante haviam sido financiados por grandes empresas que fabricam e vendem aspartame, e que todos os estudos que sugeriam que o aspartame poderia ser prejudicial foram apoiados por fontes independentes ou não comerciais. Em 2023, a Organização Mundial de Saúde declarou que, mesmo sem provas conclusivas, é preocupante o uso a longo prazo de adoçantes como aspartame por aumentar o risco de diabetes tipo 2, de cardiopatias e da mortalidade. Ainda que sejam necessários mais estudos, há um consenso maior sobre os prejuízos dos ultraprocessados para a saúde.

O país campeão de juros

O Brasil ainda lidera com folga o ranking internacional de taxas de juros reais no mundo, mesmo com a decisão do Copom, o Conselho de Política Monetária do Banco Central, de baixar a taxa básica de juros da economia brasileira, a Selic.

Agora, a Selic entra numa aparente tendência de baixa nos próximos meses, mas a posição do Brasil nesse ranking não deve mudar tão rapidamente.

Eu sou Daniel Gallas, da BBC News Brasil, e neste vídeo explico a combinação de fatores bem específicos da economia brasileira por trás dos juros tão altos.

Primeiro, vamos relembrar como começou o ciclo de juros altos que agora dá sinais de que vai ser revertido. Estávamos em março de 2021, quando o maior problema da economia global, em plena pandemia de covid-19, era a disparada da inflação. O Brasil foi uma das primeiras grandes economias mundiais a subir seus juros, que em apenas 18 meses pularam de 2% para 13,75%.

Na época, o movimento foi elogiado por diversos economistas, pois os juros são o principal instrumento das autoridades para enfrentar a inflação alta, ao conter o crédito.

No momento atual, a alta de preços continua sendo um problema global por conta da guerra da Ucrânia, mas a inflação dá sinais de estar enfraquecendo no Brasil. Como resultado, o país começa a reduzir sua taxa básica de juros em um momento em que muitos países ainda estão no seu ciclo de alta — na semana passada, por exemplo, o banco central dos Estados Unidos aumentou a taxa básica americana.

Mas como então é que o Brasil ainda é o campeão mundial dos juros altos?

Segundo ranking do site MONEY YOU de junho, o Brasil tem os maiores juros reais entre as 40 principais economias.

Antes da decisão do Conselho de Política Monetária deste 2 de agosto, o juro real brasileiro era de 7,54% — acima de México, Colômbia e Chile. Nos Estados Unidos e na China, os juros reais estão abaixo de 2%, e em grande parte da Europa eles são negativos.

Lembrando que estou falando aqui de juros reais, ou seja, que já desconta o efeito da alta dos preços.

Em um exemplo simples: a inflação brasileira deve ficar em torno de 4% nos próximos 12 meses. E a taxa Selic — que baliza os juros no Brasil — está agora perto de 13%. Ou seja, o juro real que os brasileiros pagam é teoricamente próximo de 9% a 10%.

Eu digo teoricamente porque, na prática, os brasileiros pagam juro praticado pelo mercado, que é mais elevado que a taxa Selic. Eu vou me aprofundar mais nisso já, já.

Por enquanto, o importante é lembrar que o Brasil está com uma inflação anual abaixo de países como Alemanha, Reino Unido e França — mas sua taxa básica de juros é maior do que a de todos esses países somados.

Há países com taxas de juros nominais muito maiores do que o Brasil, como é o caso da Argentina. Mas como a inflação lá nos últimos 12 meses foi de 116%, na prática o juro efetivamente pago pelos argentinos — o juro real — acaba ficando negativo.

Para quem empresta dinheiro no Brasil, juro alto é bom negócio. Um investidor que aplica seu dinheiro hoje pela taxa básica da economia tem um ganho real em média 10% acima da inflação.

Mas isso também significa que os brasileiros e as empresas que pegam empréstimos precisam pagar muito mais caro do que no resto do mundo. Por isso, empresários costumam criticar ciclos de juros altos.

E a esta altura, talvez você se pergunte: se os preços pararam de subir, por que os juros brasileiros seguem tão altos?

A queda da inflação ajuda a baixar os juros, mas existe um limite de até onde eles podem cair. Esse limite é conhecido como juro neutro ou juro de equilíbrio — que é o patamar onde a economia estaria crescendo com seu maior potencial, com desemprego baixo e preços estáveis.

Economistas estimam que o juro de equilíbrio do Brasil é próximo de 4,5%. Ou seja, mesmo que o Brasil não tivesse nenhuma inflação em um período de um ano (algo inédito no país), os juros nunca cairiam para baixo desse patamar.

Esse juro neutro estimado do Brasil é quase o dobro de quase todas as grandes economias — mesmo as emergentes, como Chile, Colômbia, México e África do Sul, segundo me explicou o economista Braulio Borges.

Por quê? Os economistas que eu ouvi dizem que o juro neutro brasileiro é alto por causa do elevado endividamento público do país, que neste ano deve chegar perto de 61% do PIB, o Produto Interno Bruto.

O problema é que o governo toma muitos empréstimos (ou seja, emite dívida pública) para pagar suas muitas despesas.

Esse alto endividamento fez com que o Brasil perdesse em 2015 o chamado “grau de investimento” — que é uma classificação dada por agências internacionais de risco. Elas avaliam a capacidade que os governos têm de pagar suas dívidas baseado no tamanho dessa dívida e nas receitas do país.

Em países onde os riscos de não-pagamento são maiores, os juros sobem, para refletir esse aumento no risco.

Outros países emergentes — como Chile, México e Colômbia — ainda possuem grau de investimento, e por isso seus juros são mais baixos que no Brasil.

Há momentos em que o endividamento brasileiro cai — logo depois de reformas, por exemplo — e isso ajuda a baixar as estimativas do juro neutro.

Mas não é só o juro neutro que faz do Brasil um país mais caro do que os demais.

O Brasil é campeão de outro ranking mundial — e um ranking que é particularmente dolorido para pessoas comuns e empresários que precisam de crédito no dia a dia.

Eu me refiro ao “spread bancário” — que é a diferença entre os juros que os bancos pagam e o que eles cobram de seus clientes.

Os bancos pegam dinheiro emprestado pagando juros próximos da Selic, em torno de 13%. Mas na hora de emprestar dinheiro — para pessoas que querem comprar casas e carros ou empresários que querem investir em seus negócios, por exemplo — os bancos cobram juros exorbitantes, acima de 30% ou 40%.

E para quem tem cartão de crédito ou fica no cheque especial no banco, os juros são ainda mais exorbitantes: e podem chegar em alguns casos a ultrapassar 150% ao ano.

Um ranking do Banco Mundial de 2020 mostra que o Brasil fica apenas atrás de Madagascar entre os países com maior spread bancário do mundo.

No Brasil, as pessoas estão pagando juros de 26 pontos percentuais a mais do que a taxa básica da economia. A média dos países emergentes é de apenas 6 pontos percentuais de diferença.

Economistas dizem que há diversos fatores para o spread bancário ser tão alto. Primeiro, a concentração do mercado bancário, ou seja, poucos bancos competindo entre si. Outro motivo é que, em situações de calote, os bancos em geral conseguem recuperar muito pouco do valor que foi emprestado. E se o risco de se emprestar dinheiro no Brasil é maior, isso se reflete numa taxa de juro maior.

Para concluir, vale lembrar que os juros altos costumam provocar muita discussão. De um lado, ele ajuda a conter a inflação, um problema que traz problemas sérios para a população, principalmente a mais pobre, ao corroer o poder de compra.

Mas empresários, governantes e a população em geral reclamam que uma dosagem exagerada de juro traz problemas tão ou mais sérios do que a inflação. Os empréstimos ficam caros demais, as famílias e as empresas se endividam mais, e o consumo e o investimento caem.

Desde 2021, o Copom tem autonomia em relação ao governo federal para decidir a taxa de juros. Neste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez várias críticas ao presidente do Banco Central, que mesmo diante de sinais de arrefecimento da inflação vinha defendendo a manutenção da taxa Selic em um patamar alto.

E será que dá pra manter a Selic baixa no longo prazo? Braulio Borges lembra que o Brasil já conseguiu baixar muito os juros no começo deste século, que na época estavam em um patamar alto porque o país tinha alto endividamento externo. O Brasil se tornou credor internacional, em vez de devedor, e aumentou o tamanho de suas reservas.

Em comparação, a Argentina hoje tem juros e inflação estratosféricos por conta desses problemas externos, que o Brasil resolveu há duas décadas.

Para baixar ainda mais os juros, acredita Borges, o Brasil precisa se comprometer com o combate ao endividamento público e precisa seguir com reformas microeconômicas, como o chamado marco legal das garantias de empréstimos (um projeto de lei que está tramitando e que pode reduzir o custo de crédito no Brasil).

E mesmo com os juros básicos em queda, por conta da desaceleração da inflação, economistas lembram que ainda há riscos no horizonte. A economista Myria Bast lembra que no resto do mundo, muitos países ainda não encerraram seus ciclos de aumento de juros. Alguns — como Estados Unidos e Reino Unido — seguem subindo suas taxas, porque as previsões de inflação não estão caindo.

Segundo ela, se a inflação mundial não se desacelerar e lá fora os juros não começarem a cair, dificilmente o Brasil conseguirá manter seu ciclo de baixa por muito tempo.

Ou seja, os juros ainda vão provocar debates por muito tempo. A gente vai seguir acompanhando por aqui. Obrigado pela audiência e até a próxima.

Como se a divisão das Coreias e qual foi o papel de EUA e União Soviética nessa divisão

A Guerra da Coreia foi o primeiro conflito da chamada Guerra Fria, que por décadas dividiu o mundo em áreas de influência de duas potências: os Estados Unidos e a antiga União Soviética. 

Foi uma das guerras mais sangrentas do século 20, com consequências que perduram até hoje. 

Vamos explicar por que a  Coreia se dividiu em dois países. Para entender essa guerra, precisamos dar um passo para trás. Dois dias após uma bomba atômica atingir Hiroshima, em agosto de 1945, a União Soviética  declara guerra ao Japão e invade a Coreia. 

O Japão ainda seria alvo de uma segunda bomba atômica, em Nagasaki,  

e se renderia poucos dias depois. Era a vitória dos países aliados e  

o fim na Segunda Guerra Mundial. A derrota abriu espaço para uma  

nova disputa de poder na península coreana, que estava sob domínio do império japonês desde 1910. 

Os soviéticos tomaram o controle da parte norte da península. 

Enquanto isso, o exército americano desembarcava no sul da Coreia para evitar que todo o país caísse nas mãos do Exército Vermelho. Da mesma maneira como aconteceu na Alemanha, com o muro de Berlim, as duas potências definiram suas zonas de influência, separadas por uma linha  

divisória próxima ao Paralelo 38.

Em 1948, no entanto, essas duas zonas se converteram em territórios  governados de forma independente. No Sul, se constituiu a Primeira República da Coreia, sob a órbita dos Estados Unidos. 

Seu presidente era Syngman Rhee, um político conservador e nacionalista. 

Ao norte, nasceu a República Popular Democrática da Coreia, de orientação  

comunista e liderada por Kim Il-Sung. Cada Estado reivindicava sua soberania  

sobre toda a Coreia, o que fez a tensão crescer ao longo dos meses. 

Em 25 de junho de 1950, as tropas da Coreia do Norte cruzaram o  

Paralelo 38 e invadiram o sul da península. Com o apoio do líder soviético, Josef Stálin, o ataque de Kim Il-Sung pegou de surpresa a  comunidade internacional e a Coreia do Sul, que teve de colocar suas forças militares em retirada. Foi então que os americanos decidiram intervir. 

É preciso lembrar que o mundo já estava em plena Guerra Fria entre o bloco capitalista, liderado pelos Estados Unidos, e o  comunista, capitaneado pela União Soviética. 

A República Popular da China, proclamada por Mao Tsé Tung um ano antes, em 1949, logo se converteu em uma grande aliada da Coreia do Norte, o que continua sendo até hoje. 

O então presidente dos Estados Unidos naquele momento, Harry Truman, queria evitar qualquer tentativa de expansão do comunismo, como aconteceu em seguida em Cuba e no Vietnã. 

Truman estava preocupado com o fato de que, se o comunismo conseguisse dominar a Coreia,  o próximo país a cair seria o Japão, que era muito importante para o comércio americano. 

Com a autorização das Nações Unidas, as tropas dos Estados Unidos e de  

outros 15 países desembarcaram na Coreia em setembro de 1950. 

Com bombardeios aéreos intensos, os americanos arrasaram cidades norte-coreanas inteiras. 

Mas as forças norte-coreanas de Kim  Il-sung, com o apoio de Stálin e Mao  

Tsé Tung, se defenderam e contra-atacaram durante os 3 anos de duração do conflito. 

Naquela época, a fronteira entre os dois Estados coreanos foi alterada várias vezes. Mais de 3 milhões de pessoas morreram,  entre elas ao menos dois milhões de civis. 

Os Estados Unidos bombardearam a Coreia do Norte  om cerca de 635 mil toneladas de explosivos e 33 mil toneladas de napalm, um combustível capaz de queimar qualquer forma de vida. 

Entre 12 e 15% da população civil norte-coreana morreu nos bombardeios,  

e centenas de milhares de pessoas ficaram desabrigadas. 

Em 27 de julho de 1953, pouco depois da morte de Stálin, foi assinado um armistício, que restaurou a fronteira do Paralelo  38, que existia antes da guerra. 

No entanto, nunca se chegou a tratado de paz oficial e definitivo. 

Ou seja, 70 anos depois do início do conflito, Coreia do Norte, de um lado,  

e Coreia do Sul e Estados Unidos, de outro, seguem tecnicamente em guerra. 

Com o fim da guerra na prática, a situação foi diferente nas duas Coreias. 

No sul, Syngman Rhee governou  de forma autoritária até 1960. 

Nos anos seguintes, se alternaram governos democráticos e regimes militares, até que, no final dos anos 80, se consolidou  a democracia na Coreia do Sul. 

No norte, Kim Il-sung instaurou um regime totalitário e governou até  

sua morte, em 8 de julho de 1994. Ele foi sucedido por seu filho,  

Kim Jong-Il, e depois de sua morte em 2011, por seu neto, o atual líder, Kim Jong-un. 

A dinastia Kim impôs um sistema baseado na filosofia Juche, ou seja,  

um regime comunista adaptado à cultura coreana, com um exército enorme e um sistema econômico que não permite a propriedade privada. Mas esse modelo entrou em uma profunda crise depois da queda da União Soviética. Nos anos seguintes, o isolamento, uma grande crise de fome e sanções internacionais contra seu  programa nuclear agravaram a situação no país. 

A Coreia do Sul, por outro lado, investiu em educação e no desenvolvimento da indústria nacional, principalmente voltada a exportações. Apesar do apoio capitalista dos Estados Unidos, incorporou políticas mais alinhadas ao pensamento da esquerda como a substituição de importações. 

Deixou para trás a dependência da produção de commodities de baixo valor agregado como o arroz ou mesmo a indústria de baixo teor tecnológico,  como a de calçados, se aventurando em áreas como a produção de carros, navios e eletrônicos. Foram investimentos considerados ambiciosos para o que então era um dos países mais pobres do mundo, que colocaram a Coreia do  

Sul no grupo dos chamados Tigres Asiáticos, junto com Cingapura, Taiwan e Hong Kong. 

Em uma economia dominada por conglomerados familiares, o país enfrenta problemas como a corrupção. Mas a população viu, nos últimos 30 anos,  

um forte avanço não só da renda como também dos índices de desenvolvimento humano. 

As relações entre as duas Coreias são tensas há anos. Desde o fim dos anos 90 houve tentativas de aproximação e cooperação, sem sucesso. Nem as numerosas reuniões internacionais para dissuadir a Coreia do Norte  de seu programa nuclear em troca de ajuda financeira foram bem-sucedidas. O país liderado por Kim Jong-un ainda mantém viva a memória dos ataques aéreos dos EUA e  a trágica morte de milhões de civis durante a guerra para justificar a necessidade  de desenvolver um arsenal nuclear. 

A comunidade internacional, por outro lado, teme que essas armas  nas mãos de um regime não democrático como a Coreia do Norte sejam uma ameaça global. 

Em abril de 2018, os presidentes Kim Jong-un e Moon Jae-in assinaram [a Declaração de Panmunjom] um acordo para transformar o armistício de 1953 em um tratado de paz, com a cooperação dos Estados Unidos e da China. Mas na prática, isso não teve um efeito palpável até agora. As negociações inéditas entre os governos de Donald Trump e Kim Jong-un também não chegaram a um acordo. 

70 anos após o início da Guerra da Coreia, centenas de milhares de famílias coreanas ainda vivem separadas pelo Paralelo 38. Uma fronteira que continua sendo uma das mais militarizadas do mundo e um dos últimos legados da Guerra Fria. 

Os historiadores estimam que, durante a guerra, Mao Tsé-tung enviou 2 milhões de soldados chineses para a Coreia do Norte. Entre eles estava seu filho mais velho,  Mao Anying, morto durante um bombardeio nos Estados Unidos. 

Quando o líder chinês foi informado da derrota, declarou: 

“Na guerra há sacrifícios. Sem sacrifícios não haverá vitória.” 

Reserva cognitiva o que é, e como ajuda a proteger o cérebro

O cérebro tem uma capacidade incrível: a reserva cognitiva.

É uma espécie de armazém de recursos que permite compensar os efeitos de uma lesão ou de algumas doenças neurodegenerativas.

E o melhor de tudo é que podemos construir e reforçar essa reserva ao longo da nossa vida.

Pois é, os cientistas perceberam que, enquanto realizamos atividades diversas, que nos desafiem a pensar – e que sobretudo que  sejam prazerosas –, podemos fortalecer o cérebro, deixá-lo mais ágil e criativo, e ajudá-lo  a se proteger de problemas futuros.

A saúde cognitiva do cérebro, ou seja, a  habilidade de pensar, aprender e recordar com clareza ao longo da vida, depende de duas  coisas: a reserva cerebral e a reserva cognitiva.

Pense no cérebro como se fosse um computador.

O computador tem dois componentes principais: o hardware e o software.

A reserva cerebral é como o hardware do cérebro – os componentes físicos, a estrutura base que herdamos dos nossos pais, como genes, tamanho,  quantidade de neurônios e assim por diante.

Já a reserva cognitiva é como o software:  

são os programas que “rodamos” ou “instalamos” no cérebro e que podemos ir acumulando.

Por exemplo, aprender um idioma, ler, escrever um blog,  

jogar jogos de tabuleiro ou fazer atividades manuais – todas essas  

atividades tornam o cérebro mais ágil e criativo e o desafiam a ser mais maleável.

O fascinante é que várias pesquisas mostram que, embora nosso cérebro tenha lesões – ou, seguindo a nossa metáfora, problemas de hardware – se instalarmos mais programas e reforçarmos a reserva cognitiva, nossos cérebros têm mais ferramentas para improvisar e para se proteger dos efeitos dessas lesões.

Em algumas situações, isso permite ao cérebro minimizar ou adiar sintomas de perda cognitiva.

Os cientistas ainda não entendem bem, em nível fisiológico,  como é que o cérebro consegue  se proteger dessa maneira.

O que está claro é que esse reforço da reserva cognitiva é muito positivo.

Mas se não sabemos ainda  como esse mecanismo funciona,  como sabemos que a reserva cognitiva existe?

Isso se deve a centenas de freiras que permitiram que um jovem cientista

estudasse  seus cérebros, lá nos anos 1980.

O chamado estudo das freiras é a evidência científica mais clara  

que temos sobre o poder da reserva cognitiva para proteger o cérebro.

Em 1986, o professor de neurologia David Snowdon queria estudar as capacidades cognitivas das pessoas ao longo dos anos  e percebeu que freiras seriam um grupo de controle perfeito, já que tinham um  estilo de vida muito parecido entre si.

Seiscentos e setenta e oito freiras de vários conventos de Minnesota,  

nos Estados Unidos, aceitaram passar por exames cognitivos e de memória todos os anos, além de doar seus cérebros para  estudos científicos após sua morte.

Depois de 15 anos estudando as freiras, Snowdon  e seus colegas perceberam que as que mais liam,  davam aulas e se mantinham ativas  tinham cérebros excepcionais.

Um caso em particular chamou a atenção.

Até sua morte, aos 101 anos,  a irmã Mary apresentou resultados  excelentes em seus testes cognitivos.

Mas, eis que, quando analisaram seu cérebro, os pesquisadores  

notaram que ele estava repleto de lesões clássicas causadas pelo mal de Alzheimer.

Ou seja, no âmbito físico, o cérebro de Mary  “tinha” Alzheimer e as lesões da doença,  mas nunca desenvolveu os sintomas clássicos de perda de memória.

Mary tinha construído e reforçado sua reserva cognitiva durante toda a vida – lendo,  escrevendo, usando a memória para  aprender orações e canções de louvor,  praticando com as demais freiras, e  encontrando alegria nessas atividades.

Era como se seu cérebro tivesse tantas ferramentas e fosse tão  

criativo que conseguiu driblar o Alzheimer.

Nunca é tarde para enriquecer sua reserva cognitiva,  

embora quando mais cedo começarmos, melhor.

E quais atividades servem para isso?

As que nos desafiam a nos concentrarmos, a aprender algo novo, a usar nossa memória,  a pensar de modo estratégico, as  que nos fazem interagir com outras  pessoas – e, sobretudo, as que nos dão prazer. Quando gostamos de algo, dedicamos mais atenção a isso e, pra melhorar, ganhamos força para combater outro inimigo da saúde cognitiva: a depressão.

Vale lembrar que o cérebro é parte do corpo, então cuidar do corpo também é importante para a saúde cerebral.

Podemos fazer todas as palavras-cruzadas do mundo e falar 20 idiomas – não vai adiantar se não cuidarmos do resto do “hardware”.

Em seu estudo, o pesquisador David Snowdon citou trechos das homenagens  

feitas à irmã Mary quando ela morreu. Um médico disse que a longevidade dela não se devia a medicamentos, mas sim à atitude de Mary perante a vida.

“Sabemos que a irmã Mary estava ansiosa por ir para o Céu, mas todos nós víamos o quanto ela seguia alerta e envolvida em tudo ao seu redor”, dizia um trecho  

da homenagem. “Ela estava ali, no momento presente, com todo seu coração e sua alma”.

Qual o grau de dependência do mundo no que tange ao petróleo e gás da Rússia?

Após a invasão à Ucrânia, vários  países impuseram duras sanções que devem representar um grande golpe em um  ponto forte da Rússia: o setor energético.

Os Estados Unidos proibiram as importações de petróleo e gás russos, enquanto Reino Unido e União Europeia  anunciaram reduções nas suas importações.

Mas qual é o tamanho da dependência do Ocidente do gás e petróleo que vêm da Rússia?

Pra começar, a Rússia exerce um papel muito importante no cenário global quando o assunto é energia.

Por isso a invasão à Ucrânia tem levado a uma alta nos preços dos combustíveis ao redor do mundo – incluindo no Brasil. O preço do barril de petróleo, por exemplo,

atingiu valores recordes, acima dos 100 dólares por barril, o que não acontecia desde 2014.

A Rússia é a terceira maior produtora de petróleo do mundo, atrás apenas dos Estados  Unidos e da Arábia Saudita.

Em janeiro de 2022, a produção total de petróleo da Rússia foi de 11,3 milhões de barris por dia.

Para comparação, a produção total de petróleo dos Estados Unidos foi de 17,6 milhões de barris por dia, enquanto a Arábia  Saudita produziu 12 milhões de barris por dia.

Mas se incluirmos nessa conta o petróleo  cru e seus derivados, como gases liquefeitos, gasolina, nafta, querosene e outros, a Rússia  toma a frente como maior exportadora do mundo.

Por causa disso, há quem diga que a economia russa é uma espécie de grande  posto de gasolina do mundo.

O fato é que a Rússia tem um papel importante como fornecedora de energia para muitas economias ocidentais, embora o grau de dependência varie de acordo com o país ou região.

No caso da Europa, por exemplo, esse nível pode ser considerado bem alto.

Segundo dados da Eurostat, a agência de estatísticas da União Europeia, a maior parte do petróleo que abastece o continente vem da Rússia.

Por volta 60% da produção do país vão para os países europeus membros da OCDE, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. Ou seja, os países mais ricos da região.

A China, sozinha, fica com 20% do total.

Como são líderes mundiais em produção de petróleo, os Estados Unidos são bem menos dependentes.

Apenas 3% do que se consome por lá vem da Rússia.

Mas quando o assunto é gás combustível, que é utilizado principalmente para o aquecimento e produção de eletricidade, nenhum país no  mundo tem mais reservas do que a Rússia.

Os Estados Unidos não importam esse recurso da Rússia,

mas o mesmo não se pode dizer da União Europeia.

Em 2021, 40% de todo o gás consumido dentro do bloco veio do país.

A Rússia fez diversos investimentos em infraestrutura para canalizar  seu gás natural para a Europa.

Um dos principais deles é o NordStream,  gasoduto que conecta diretamente Rússia e Alemanha, país que é um dos principais  importadores de gás russo na União Europeia.

Também existem mais gasodutos que saem da Rússia e

passam por outros países até chegarem ao bloco europeu.

E é aqui que a Ucrânia entra nessa história.

Em 2009, 60% do gás que saía da Rússia  com destino à União Europeia passava pela Ucrânia, o que rendia milhões de  dólares à ex-república soviética.

Em 2021, essa quantidade caiu para 25%.

Após o início da guerra e as sanções impostas pelo Ocidente, a Rússia ameaçou cortar o fornecimento de gás à Europa, consciente de que  o continente depende da energia produzida por lá.

Mas o que aconteceria se a Europa Ocidental ficasse sem o gás russo?

Para começar, as pessoas sentiriam o impacto no bolso.

Prova disso é que desde que o conflito com a Ucrânia se intensificou, o preço do aquecimento na Europa disparou, com aumentos  que chegam a mais de 100% em alguns países

como o Reino Unido. Lembrando aqui que a guerra começou no fim do inverno no Hemisfério Norte.

E se a Rússia decidir cortar o fornecimento, os preços tendem a aumentar ainda mais.

A Alemanha, país mais rico da Europa, seria uma das mais atingidas, já que está entre as nações  mais dependentes do gás russo.

Por outro lado, a Rússia fornece apenas cerca de 5% do gás consumido no Reino Unido, e os Estados Unidos não importam o gás russo.

Mas isso não significa que esses países não seriam afetados por um eventual corte, já que a possível escassez de gás faria com  que os preços subissem no mercado mundial.

Mas será que não existem alternativas para substituir o gás russo?

Bom, isso não seria uma tarefa fácil.

Isso porque, gasodutos não são o tipo de obra que se constrói do dia para a noite.

Uma possível solução seria substituir o gás encanado pelo liquefeito, que pode ser transportado por mar e por terra.

Em 2021, já no contexto de tensões entre Rússia e Ucrânia, os Estados Unidos se tornaram o principal fornecedor de gás natural  liquefeito à União Europeia e ao Reino Unido,

com 26% do total de importações, seguido pelo Catar, com 24%, e pela Rússia, com 20%, mm janeiro de 2022, poucas semanas antes da  invasão russa à Ucrânia, os Estados Unidos já eram responsáveis pelo fornecimento de mais da  metade das importações do produto pela Europa.

Há quem diga que este seja um bom momento para incentivar outras fontes de energia como as renováveis, mas isso, segundo  analistas, não seria rápido nem fácil.

O mais provável é que as usinas termelétricas  movidas a carvão, as mais poluentes, fossem as possíveis substitutas do  gás russo em caso de emergência, conforme já anunciaram Itália e Alemanha.

Quando o assunto é petróleo, a situação é um pouco

mais simples, já que existem outros fornecedores disponíveis no mercado.

Os Estados Unidos já têm pedido à Arábia Saudita que aumente sua produção.

Mas os árabes ainda não atenderam ao pedido porque, ao aumentar a produção, o país aumentaria também a oferta do  produto, o que causaria uma queda nos preços.

E isso não interessa nem um pouco à Arábia Saudita que, vamos

lembrar aqui, é a vice-líder mundial em produção de petróleo atrás justamente dos Estados  Unidos, e maior exportadora global do recurso.

A Arábia Saudita também é o país que mais produz petróleo dentro da Opep, o grupo de países com reservas de petróleo que responde por cerca  de 60% do óleo cru comercializado no mundo.

O grupo exerce grande influência no mercado mundial por ter em suas mãos o poder de simplesmente abrir  ou fechar a torneira de produção.

Embora a Rússia não pertença oficialmente à  Opep, ela tem influência dentro da organização.

E tem trabalhado com alguns membros desde 2017 para estabelecer limites na produção de petróleo para preservar  os lucros dos produtores.

E como fica a América Latina em tudo isso?

Bom, o aumento nos preços por um lado beneficia as economias de países produtores de petróleo.

Brasil e México são os principais produtores da região, enquanto Venezuela, Equador, Colômbia e Argentina também  produzem, mas em menor quantidade.

O problema é que a alta no petróleo faz os preços de quase tudo subirem também, já que o transporte de grande parte dos  produtos depende de combustíveis fósseis.

Ou seja, as empresas petroleiras da América Latina como a Petrobras, a Pemex, ou a PDVSA podem até ganhar mais dinheiro, mas isso não vai  ser suficiente para reduzir o impacto da inflação

na economia, que fará com que os consumidores tenhamos que pagar mais pelos produtos.

Além disso, muitos produtores latino-americanos exportam petróleo, mas importam gasolina.

Com o aumento no preço do petróleo e a consequente alta da gasolina, esse passa a não ser mais  um negócio tão interessante.

Para outras economias como as de Chile ou Perú, que não produzem petróleo, a situação é ainda mais difícil, pois esses países só vão poder assistir  ao aumento dos preços, sem poder fazer muito.

Por outro lado, na mesma semana em que proibiram as importações de petróleo russo, os Estados Unidos voltaram a conversar com a Venezuela, após anos de congelamento nas relações entre os países.

Embora não tenha revelado muitos detalhes, a Casa Branca disse que a segurança energética tinha sido um dos assuntos em pauta.

Vamos lembrar aqui que antes das sanções impostas ao regime de Nicolás Maduro, a Venezuela era um importante fornecedor  de petróleo para os Estados Unidos.

Mas em suma, os dados que eu apresentei aqui no vídeo mostram a interdependência

entre Rússia e o Ocidente em relação à energia, o que explica a dificuldade em impor sanções nesse campo, mesmo em tempos de guerra.

Como a Rússia se transformou no país mais extenso do mundo

17 milhões de quilômetros quadrados, ou 11% de toda a superfície terrestre do planeta.

Essa dimensão faz da Rússia o país mais extenso do mundo.

Um país, aliás, com 11 fusos horários e as maiores reservas de energia e minérios da Terra  – muitas ainda não exploradas.

Começando pela história, 12 séculos atrás.

Foi quando chegaram à Europa os eslavos orientais, um grupo étnico do qual derivam os  russos, ucranianos e bielorrussos.

As primeiras referências escritas sobre esse grupo só aparecem ao final do século oitavo, quando eles começaram a desenvolver um idioma próprio.

Foi a partir dessa época que chegaram ao leste europeu os missionários gregos Cirilo e Metódio,  que não apenas levaram o cristianismo para lá  como contribuíram para que fosse criado o alfabeto  

cirílico. Esse alfabeto é usado até hoje em mais de 50 idiomas, como o russo, ucraniano e cazaque.

Naquela época, os eslavos se organizavam em pequenos principados. Um deles era o de Novgorod, onde hoje fica a Rússia, e foi a origem do primeiro grande  Estado eslavo, chamado Rus de Kiev.

Por volta do ano 860, um viking chamado Rurik virou príncipe de Novgorod e seu sucessor, Oleg de Novgorod, passou a unificar  todos os principados eslavos, transferindo sua capital para  Kiev, hoje capital da Ucrânia.

Mas Rus de Kiev se desintegrou no  começo do século 13 com a expansão  

do império mongol. A invasão comandada  por Batu Khan, neto de Genghis Khan,  permitiu aos mongóis ocupar toda a Rus de  Kiev, exceto pela república de Novgorod.

Depois, com a fragmentação do império mongol surgiu o Principado de Moscou, apontado como a origem do que hoje conhecemos como Rússia.

Também chamado de Moscóvia, esse principado foi ganhando prestígio e ampliando suas fronteiras durante os séculos 14 e 15.  As maiores conquistas foram no reinado de Ivan 3°, o Grande, que em 1478 adotou  o título de “soberano de toda a Rússia” e proclamou Moscou como a Terceira Roma – ou  seja, herdeira dos impérios romano e bizantino.

Mas seu neto, Ivan 4°, o Terrível, deu um passo além e em 1547 se autoproclamou czar, um termo derivado do césar latino.

Durante seu reinado, o agora denominado czarado russo se ampliou rumo ao Cáucaso, até os reinos de Kazan e Astrakhan, no oeste e sudoeste da Rússia.

Foi nesse período também que começou a ocupação russa da Sibéria, com o envio à região de centenas de cossacos,  um dos povos que formaram a Rússia.

Essa ocupação acabou sendo vantajosa: é na Sibéria que  

ficam as maiores reservas de gás natural do mundo, e uma das maiores de petróleo.

Mas os avanços da expansão russa não evitaram o fim da dinastia Rurikovich,  

no fim do século 16, que reinava por ali desde a criação da Rus de Kiev. Viria em seguida uma nova dinastia, a dos Romanov,  que duraria até a revolução de 1917.

O primeiro foi Miguel Romanov, em 1613, que recuperou a estabilidade do país  

e deu continuidade às conquistas rumo ao leste, sem encontrar grandes obstáculos ou resistência.

O avanço foi tão rápido que, lá por 1639, o explorador Ivan Moskvitin  

chegou à costa do Oceano Pacífico e virou o primeiro europeu a navegar  

pelo que hoje conhecemos como estreito de Bering, entre a Ásia e a América do Norte.

O nome do estreito é uma homenagem ao navegador dinamarquês Vitus Bering, que trabalhava a serviço da Rússia  e iniciaria mais tarde a exploração  

da região que hoje é o Alasca, até ela ser vendida aos Estados Unidos.

Enquanto isso, no lado oeste, a Rússia conseguiu recuperar territórios da antiga Rus de Kiev.

A grande mudança seguinte na história da Rússia veio com Pedro 1°, o Grande. Em 1721, ele assumiu o trono de imperador,  e o czarado virou o Império Russo.

Essa decisão ocorreu depois de uma vitória importante diante da Suécia,  

dando aos russos um acesso ao Mar Báltico. Foi justamente durante essa guerra que foi fundada a cidade de São Petersburgo, em homenagem  a Pedro 1°, que virou a capital do império.

Mas as conquistas do lado oeste eram difíceis. Na região do Mar Negro,  

por exemplo, a imperatriz  russa Catarina 2ª, a Grande, precisou lutar contra o Império Otomano para  anexar a Crimeia em 1783 e Odessa em 1793.

E um acordo com a Prússia e a Áustria fez o Império russo anexar o leste da Polônia.  

Pouco depois, a Finlândia também passaria temporariamente às mãos russas, em 1809.De volta ao lado leste, um marco foi a  inauguração da ferrovia transiberiana,  em 1904, que partia de Moscou  e terminava no Oceano Pacífico.

O império expandiu seus domínios até a Ásia Central, em territórios que hoje conhecemos como  Cazaquistão, Uzbequistão e Turcomenistão.

Mas, assim como a dinastia Rurikovich, a dos Romanov também teria seu fim – e  assim chegamos ao início do século 20.

A insatisfação popular crescia diante da  corrupção, escassez de comida e sistema de privilégios do Império Russo, e chegou ao auge  com a devastação humana e econômica causada pela Primeira Guerra Mundial, que abalou  o prestígio russo como potência europeia.

Foi o caldeirão que ajudou a instigar a Revolução Russa de 1917, forçando a renúncia do czar Nicolau Segundo – que meses depois seria  executado com sua família pelos bolcheviques.

Daí nasceria a comunista União Soviética, que se estruturou em várias repúblicas, sendo a maior delas a República  Socialista Federativa Soviética da Rússia.

Mas o fim do império levaria também à independência da Finlândia,  da Polônia e dos países bálticos:  Estônia, Letônia e Lituânia.

Veio a Segunda Guerra Mundial, e a União  Soviética voltou a anexar as nações bálticas, assim como algumas regiões da Finlândia, da  Alemanha e da Polônia. A região de Kaliningrado, por exemplo, que hoje pertence à  Rússia, era antes parte da Alemanha.

Com a desintegração da União Soviética, em 1991, voltaram a surgir vários Estados independentes pós-soviéticos, incluindo a Federação Russa.

Desde então, as fronteiras da Rússia não mudaram tanto, com exceção da anexação da península da Crimeia, em 2014, em disputa com a Ucrânia. O  episódio – e os conflitos subsequentes – deu  início à escalada de tensão que culminou, em  2022, com a invasão da Ucrânia pela Rússia.

São doze séculos de expansão, guerras, dinastias e revoluções que deram à  

Rússia essa grandeza territorial e abundância de recursos naturais.

Quem perde com o “tombo” das Americanas e como explicar esse rombo

Rombo de R$20 bi nas Americanas e ação desaba 90%, o que está acontecendo?  | com Leandro Siqueira - YouTube

Um rombo financeiro nas lojas Americanas deixou perdas bilionárias em valor de mercado, com efeito para milhares de investidores, grandes e pequenos.

Neste artigo vamos explicar o que levou a essa crise e quem perdeu e  

quem ganhou com isso até agora. Sim, porque teve gente que saiu  

ganhando mesmo com todo esse prejuízo.

A crise começou quando a Americanas comunicou um erro na sua contabilidade  no valor de 20 bilhões de reais, e falou que esse problema ocorre há vários anos. Na prática, isso significa que ela está muito mais endividada do que se pensava  e não tem dinheiro para tapar esse rombo. 

O anúncio pegou todo mundo de surpresa e foi parar na Justiça. 

Gerou também suspeitas de que possa ter ocorrido uma fraude, o que será investigado. 

O resultado? O mercado perdeu a confiança na empresa, e suas ações entraram em queda livre. 

O problema tem relação com uma operação financeira conhecida como “risco sacado”. 

Essa operação é comum no varejo. Funciona  assim: uma e Empresa pega dinheiro emprestado com um banco para comprar de fornecedores. O banco paga aos fornecedores, e a empresa paga ao banco o dinheiro financiado, com juros. O problema é que isso não foi informado corretamente no balanço financeiro da Americanas. E distorceu os resultados da empresa nos últimos  

anos: as despesas e o endividamento apareceram no balanço com um valor  

menor do que eram na realidade. E o lucro e o patrimônio líquido,  que é a diferença entre seus bens e suas  obrigações financeiras, foram inflados. 

Na verdade, a situação da empresa era pior do que se imaginava inicialmente, porque seu patrimônio pode ser insuficiente para pagar suas dívidas. Ou seja, ela possivelmente vai precisar de uma injeção de capital para não falir. Nós procuramos a Americanas para comentar, mas a empresa se limitou a dizer  que vai manter o mercado informado a respeito dos desdobramentos relevantes. E como o mercado reagiu a tudo isso? 

Mal, bem mal. As ações despencaram nos dias seguintes ao anúncio. E isso provocou um prejuízo generalizado, que eu explico agora. É que muita gente tem ações da Americanas. 

São mais de 130 mil CPFs na sua base de acionistas. 

O analista Phil Soares explicou que mais da metade dos papéis da Americanas estão pulverizados pelo mercado, ou  seja, vários pequenos investidores detêm um percentual bem pequeno da empresa. Esses foram os mais prejudicados, quando o preço das ações despencou de uma hora pra outra.

O analista diz que nunca tinha visto um caso assim no mercado brasileiro. E por que a Americanas tem tantos acionistas? 

Porque havia muito interesse nos papéis da empresa. 

O analista José Eduardo Daronco me explicou que a Americanas vinha crescendo e existia a expectativa de que suas ações ainda iriam se valorizar  bastante, na onda do comércio eletrônico. 

É importante fazer uma ressalva aqui: a queda do preço de uma ação não significa prejuízo imediato:  

só se o acionista de fato vender os papéis, temendo que eles se desvalorizem ainda mais. 

Mas a pessoa também pode esperar que as ações e títulos eventualmente se recuperem. 

Ainda assim, o Instituto Brasileiro de Cidadania decidiu processar a Americanas e exigir que ela indenize seus investidores, alegando que  eles investiram com base em informações falsas divulgadas em seus balanços e foram  induzidos a superestimar o valor dos papéis. 

Fábio Coelho, que é presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais, diz que será preciso apurar a responsabilidade não  só dos executivos e do conselho de administração da Americanas, mas consultoria que auditou  e aprovou os últimos balanços da empresa. 

A PWC, empresa que fez a auditoria, disse que não comenta o assunto. 

A Comissão de Valores Mobiliários, que  regula e fiscaliza o mercado de ações,  abriu cinco processos administrativos para  investigar a Americanas e um contra a PwC. 

O Fabio Coelho sugere que os investidores que se sentirem lesados devem primeiro  buscar a arbitragem de conflitos da  Bolsa antes de recorrer à Justiça. 

Além dos acionistas diretos, muita gente também investiu na Americanas por meio de fundos. 

Um levantamento aponta que 1.057 fundos investiram na empresa. 

Um dos casos que mais chamaram atenção foi um  fundo do banco Nubank, que tinha 1% em debêntures,  ou títulos de dívida, da Americanas. Com o rombo, a capacidade da Americanas  pagar os debêntures foi considerada menor,  o que prejudicou a rentabilidade do fundo do Nubank. Muitos cotistas reclamaram nas redes sociais que estavam perdendo dinheiro. 

O Nubank reagiu dizendo que os debêntures da Americanas eram uma  

parte muito pequena dos investimentos do seu fundo e que ele teve rentabilidade. Outros que tomaram um baita prejuízo com essa  história são os bilionários Jorge Paulo Lemann,  Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira. Você provavelmente já ouviu falar deles. O trio é  conhecido por ter erguido verdadeiros impérios  corporativos e está por trás de multinacionais  

como Inbev, Kraft Heinz e Burger King. Ninguém perdeu mais do que eles até agora. 

Eles já comandaram a Americanas e  tiveram seu controle acionário. Hoje,  

são acionistas de referência, ou seja, têm uma participação mais relevante em uma companhia e podem influenciar na sua gestão por causa disso. Os bancos que emprestaram dinheiro para a Americanas também podem sair no prejuízo. A dívida da empresa com oito bancos é de 18,7 bilhões de reais, segundo  o jornal Valor Econômico. 

Um destes bancos, o BTG Pactual, foi à Justiça para reverter uma decisão  

judicial que congelou por 30 dias a cobrança antecipada das dívidas bancárias da empresa. 

Esse pedido foi feito pela Americanas alegando que, com um endividamento de 43 bilhões de reais, pagar os bancos poderia gerar um  tratamento desigual entre seus credores e fazer a empresa ruir, junto com  milhares de empregos diretos e indiretos. 

Mas quem afinal saiu ganhando nessa história? De certa forma, foram os executivos que venderam ações da empresa no segundo semestre de 2022, antes da crise estourar.. 

Dados enviados à Comissão de Valores Mobiliários apontam que diretores da Americanas, de identidade ainda não conhecida,  venderam 241,5 milhões de reais em ações entre agosto e outubro do ano passado. Não há comprovação de má-fé por enquanto, mas o Ministério Público Federal de São Paulo  vai apurar se eles poderiam ter tido acesso a informações privilegiadas, ou seja, sabiam do  rombo, e venderam as ações para evitar prejuízo. 

Isso configuraria uma prática ilegal chamada de insider trading. 

Quem também pode sair ganhando com a  crise toda são os varejistas concorrentes. A Americanas tem uma grande participação no  mercado, principalmente no comércio online, e vinha crescendo em ritmo acelerado. Mas, agora, provavelmente não vai conseguir manter esse ritmo e talvez tenha mais  dificuldade em fidelizar seus consumidores. E mesmo o futuro da Americanas virou uma incógnita: no último dia 19 de janeiro,  a empresa entrou com pedido de recuperação  judicial para tentar evitar uma falência.