Quem perde com o “tombo” das Americanas e como explicar esse rombo

Rombo de R$20 bi nas Americanas e ação desaba 90%, o que está acontecendo?  | com Leandro Siqueira - YouTube

Um rombo financeiro nas lojas Americanas deixou perdas bilionárias em valor de mercado, com efeito para milhares de investidores, grandes e pequenos.

Neste artigo vamos explicar o que levou a essa crise e quem perdeu e  

quem ganhou com isso até agora. Sim, porque teve gente que saiu  

ganhando mesmo com todo esse prejuízo.

A crise começou quando a Americanas comunicou um erro na sua contabilidade  no valor de 20 bilhões de reais, e falou que esse problema ocorre há vários anos. Na prática, isso significa que ela está muito mais endividada do que se pensava  e não tem dinheiro para tapar esse rombo. 

O anúncio pegou todo mundo de surpresa e foi parar na Justiça. 

Gerou também suspeitas de que possa ter ocorrido uma fraude, o que será investigado. 

O resultado? O mercado perdeu a confiança na empresa, e suas ações entraram em queda livre. 

O problema tem relação com uma operação financeira conhecida como “risco sacado”. 

Essa operação é comum no varejo. Funciona  assim: uma e Empresa pega dinheiro emprestado com um banco para comprar de fornecedores. O banco paga aos fornecedores, e a empresa paga ao banco o dinheiro financiado, com juros. O problema é que isso não foi informado corretamente no balanço financeiro da Americanas. E distorceu os resultados da empresa nos últimos  

anos: as despesas e o endividamento apareceram no balanço com um valor  

menor do que eram na realidade. E o lucro e o patrimônio líquido,  que é a diferença entre seus bens e suas  obrigações financeiras, foram inflados. 

Na verdade, a situação da empresa era pior do que se imaginava inicialmente, porque seu patrimônio pode ser insuficiente para pagar suas dívidas. Ou seja, ela possivelmente vai precisar de uma injeção de capital para não falir. Nós procuramos a Americanas para comentar, mas a empresa se limitou a dizer  que vai manter o mercado informado a respeito dos desdobramentos relevantes. E como o mercado reagiu a tudo isso? 

Mal, bem mal. As ações despencaram nos dias seguintes ao anúncio. E isso provocou um prejuízo generalizado, que eu explico agora. É que muita gente tem ações da Americanas. 

São mais de 130 mil CPFs na sua base de acionistas. 

O analista Phil Soares explicou que mais da metade dos papéis da Americanas estão pulverizados pelo mercado, ou  seja, vários pequenos investidores detêm um percentual bem pequeno da empresa. Esses foram os mais prejudicados, quando o preço das ações despencou de uma hora pra outra.

O analista diz que nunca tinha visto um caso assim no mercado brasileiro. E por que a Americanas tem tantos acionistas? 

Porque havia muito interesse nos papéis da empresa. 

O analista José Eduardo Daronco me explicou que a Americanas vinha crescendo e existia a expectativa de que suas ações ainda iriam se valorizar  bastante, na onda do comércio eletrônico. 

É importante fazer uma ressalva aqui: a queda do preço de uma ação não significa prejuízo imediato:  

só se o acionista de fato vender os papéis, temendo que eles se desvalorizem ainda mais. 

Mas a pessoa também pode esperar que as ações e títulos eventualmente se recuperem. 

Ainda assim, o Instituto Brasileiro de Cidadania decidiu processar a Americanas e exigir que ela indenize seus investidores, alegando que  eles investiram com base em informações falsas divulgadas em seus balanços e foram  induzidos a superestimar o valor dos papéis. 

Fábio Coelho, que é presidente da Associação de Investidores no Mercado de Capitais, diz que será preciso apurar a responsabilidade não  só dos executivos e do conselho de administração da Americanas, mas consultoria que auditou  e aprovou os últimos balanços da empresa. 

A PWC, empresa que fez a auditoria, disse que não comenta o assunto. 

A Comissão de Valores Mobiliários, que  regula e fiscaliza o mercado de ações,  abriu cinco processos administrativos para  investigar a Americanas e um contra a PwC. 

O Fabio Coelho sugere que os investidores que se sentirem lesados devem primeiro  buscar a arbitragem de conflitos da  Bolsa antes de recorrer à Justiça. 

Além dos acionistas diretos, muita gente também investiu na Americanas por meio de fundos. 

Um levantamento aponta que 1.057 fundos investiram na empresa. 

Um dos casos que mais chamaram atenção foi um  fundo do banco Nubank, que tinha 1% em debêntures,  ou títulos de dívida, da Americanas. Com o rombo, a capacidade da Americanas  pagar os debêntures foi considerada menor,  o que prejudicou a rentabilidade do fundo do Nubank. Muitos cotistas reclamaram nas redes sociais que estavam perdendo dinheiro. 

O Nubank reagiu dizendo que os debêntures da Americanas eram uma  

parte muito pequena dos investimentos do seu fundo e que ele teve rentabilidade. Outros que tomaram um baita prejuízo com essa  história são os bilionários Jorge Paulo Lemann,  Marcel Herrmann Telles e Carlos Alberto Sicupira. Você provavelmente já ouviu falar deles. O trio é  conhecido por ter erguido verdadeiros impérios  corporativos e está por trás de multinacionais  

como Inbev, Kraft Heinz e Burger King. Ninguém perdeu mais do que eles até agora. 

Eles já comandaram a Americanas e  tiveram seu controle acionário. Hoje,  

são acionistas de referência, ou seja, têm uma participação mais relevante em uma companhia e podem influenciar na sua gestão por causa disso. Os bancos que emprestaram dinheiro para a Americanas também podem sair no prejuízo. A dívida da empresa com oito bancos é de 18,7 bilhões de reais, segundo  o jornal Valor Econômico. 

Um destes bancos, o BTG Pactual, foi à Justiça para reverter uma decisão  

judicial que congelou por 30 dias a cobrança antecipada das dívidas bancárias da empresa. 

Esse pedido foi feito pela Americanas alegando que, com um endividamento de 43 bilhões de reais, pagar os bancos poderia gerar um  tratamento desigual entre seus credores e fazer a empresa ruir, junto com  milhares de empregos diretos e indiretos. 

Mas quem afinal saiu ganhando nessa história? De certa forma, foram os executivos que venderam ações da empresa no segundo semestre de 2022, antes da crise estourar.. 

Dados enviados à Comissão de Valores Mobiliários apontam que diretores da Americanas, de identidade ainda não conhecida,  venderam 241,5 milhões de reais em ações entre agosto e outubro do ano passado. Não há comprovação de má-fé por enquanto, mas o Ministério Público Federal de São Paulo  vai apurar se eles poderiam ter tido acesso a informações privilegiadas, ou seja, sabiam do  rombo, e venderam as ações para evitar prejuízo. 

Isso configuraria uma prática ilegal chamada de insider trading. 

Quem também pode sair ganhando com a  crise toda são os varejistas concorrentes. A Americanas tem uma grande participação no  mercado, principalmente no comércio online, e vinha crescendo em ritmo acelerado. Mas, agora, provavelmente não vai conseguir manter esse ritmo e talvez tenha mais  dificuldade em fidelizar seus consumidores. E mesmo o futuro da Americanas virou uma incógnita: no último dia 19 de janeiro,  a empresa entrou com pedido de recuperação  judicial para tentar evitar uma falência.

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